Nasci no dia 8 de Setembro de 1961. Tenho hoje 47 anos. Cerca de 18 anos da minha vida, quase metade, foram vividos na prisão.

Apanhei a primeira bebedeira com 7 anos. Com 10 anos bebia regularmente. Comecei a consumir drogas com 14 anos. Com 17 estava agarrado às drogas duras.

Abril 1978, 16 anos, Espanha. Fui preso pela 1ª vez. Falta de documentos e posse de haxixe. Condenado a 6 meses. Cumpri pena no Cárcere Modelo de Barcelona. Quando saí fui expulso do pais com poibição de entrar durante 10 anos.

Agosto 79, 17 anos, Lisboa. Preso pela 2ª vez. Furto. Condenado a 2 anos de prisão. Cumpri no EPL e Linhó. Verão 1982, 21 anos, Algarve. Preso pela 3ª vez. Furto. Condenado a 4 anos. Cumpri em Faro, Beja, Pinheiro da Cruz, Setúbal, Linhó. Transferido sempre por mau comportamento. Saí em 1985.

1987, 26 anos, Lisboa. Preso pela 4ª vez. Tráfico de droga. Condenado a 6 anos. Cumpri no EPL e Vale de Judeus. Julgado em 1989 por um processo pendente também de tráfico. Condenado a mais 7 anos. Beneficiei de dois perdões (1 sexto da pena) dados pelo Papa João Paulo II e pelo Presidente da República Jorge Sampaio. Saí de precária por uma semana e não voltei. Fui apanhado pela Judiciária 1 mês e 29 dias depois. Passei 22 dias nos calabouços da Judiciária para averiguação de um crime que cometi na véspera de sair de Precária (agressão a outro recluso com arma branca, 7 golpes). Fui transferido de Vale de Judeus para o Linhó. Passei em artigo 111º - medidas de segurança - 6 meses, alternando 1 mês de solitária com 1 mês na ala de segurança. Saí no Verão de 1998, com 37 anos.

Setembro 2002, 41 anos. Preso pela 5ª vez. Homicídio. Consegui que me condenassem apenas por homicídio por negligência, a 3 anos de pena suspensa, dos quais cumpri 14 meses no EPL. Saí em Novembro de 2003 e foi aconselhado pelo juiz a ir para um centro de recuperação da toxicodependência. Fiquei 2 meses no centro. Abandonei e tive uma recaída imediata. Fevereiro de 2004, 43 anos. Preso pela 6ª vez. Arrombamento. Estive preventivo em Setúbal 4 meses, de onde saí, transportado num carro celular, para a Comunidade Terapêutica da Associação Vale de Acór.

Durante todo o tempo que estive preso nunca deixei de beber e consumir droga. Estar preso nunca foi para mim um castigo. Da mesma maneira que sobrevivia na rua, sobrevivi na cadeia: traficava e transportava droga de umas alas para as outras, vivia de esquemas para conseguir o que queria. Estava no Linhó quando um conhecido mafioso italiano , apanhado no Algarve, foi preso. Sempre o tratei por tu e fiz-lhe muitos “favores”

Aceitei ir para o Vale de Acór apenas para fugir à Prisão. Nunca pensei ser possível sair do mundo do crime. Estava à espera da oportunidade de dar o golpe da minha vida.

Passei 15 meses na Comunidade Terapêutica, mas só por volta do 8º mês comecei o meu processo de mudança. Estava saturado da vida que levava. Comecei a confiar no meu terapeuta e a estabelecer objectivos com sentido para a minha vida. Foi também extremamente importante o apoio da minha família em todo este processo. Posteriormente, na fase de Reinserção Social, comecei a assumir, com seriedade, o desejo de ser Cristão. Estou inserido num movimento da Igreja Católica, o que me ajudou e continua a ajudar muito. Estou a descobrir que Jesus me ama como sou.

Acabei o programa terapêutico-educativo da Associação Vale de Acór no dia 8 de Março de 2006. Trabalho como canalizador e quero reconstruir a minha vida com o meu salário, honesto. Não estou preocupado em como arranjar droga para o dia seguinte. Tenho amigos. Verdadeiros. São eles o meu apoio nas alturas mais difíceis.

Hoje, tenho a sensação de ter começado tudo de novo. Cansei-me de dormir com um olho aberto e outro fechado. Considero-me um Homem Livre, porque posso ser quem sou, sem ter necessidade de fazer o papel de outro; posso mostrar a minha fragilidade, sem que isso me faça perder a dignidade.

Aos 44 anos comecei a viver uma nova vida; uma vida com Sentido. E durmo descansado.

  • Residente graduado a 8.3.2007

Mais testemunhos:

  • Maria Durão +

    Caros Amigos Maria Durão, vocalista dos Simplus, trabalha actualmente no Vale de Acór onde acompanha toxicodependentes e alcoólicos em recuperação. É um mundo onde a misericórdia se vê em cada olhar. Maria Durão - Vocalista dos Simplus - 2016 Saber mais
  • Sofia Gouveia Pereira +

    Caros Amigos Trabalho num escritório de advogados. Sou amiga do Vale de Acór há muitos anos. É um gosto ir àquela casa. Sinto que as pessoas de lá são amigos próximos, para além das meras afinidades habituais. Depois, é um sítio bonito, cuidado, onde apetece estar. Na verdade, nunca me senti longe daqueles rapazes e raparigas, pois podia ser eu, Saber mais
  • Pedro R. +

    Caros amigos A história que tenho para vos contar tem como objectivo despertar consciências e abrir os corações para a realidade. Nada tem a ver com números ou estatísticas e nem sequer é de caracter informativo. Esta história visa, antes de tudo, as pessoas: os pobres e aqueles que trabalham para os salvar; aqueles que acompanham o dia-a-dia dos que Saber mais
  • José A. +

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  • Comunidade do Noviciado dos Jesuítas +

    “Um vale é muito mais que um nicho esgravatado na terra. Assim afundado nessa paliçada de pedra, o homem pode descobrir essa outra defesa que é ter raízes no céu, mais que na rocha. Estendido no colo do chão, o homem vê-se levantado para lá do pó de si. Com diria o nosso Xavier: “Para Deus sobe-se descendo”. Obrigado por Saber mais
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